Momentos

Uma cozinha feita de lama

Uma nova instalação, uma nova experiência de sensações e vivências.

“Ser menino é estar cheio
de céu por cima”*

Cresci a brincar na rua. Sou da geração sem medo que ficava a brincar nas ruas até escurecer. Uma das memórias que guardo é precisamente essa: o meu bairro, a rua larga, a escuridão envolvente, o cheiro a pão quente da padaria vizinha, os amigos, os jogos, o riso de todos e a voz da minha mãe a chamar-me.
Os meus filhos e os filhos dos meus filhos terão outras realidades para guardar. Um mundo em transformação, o ritmo alucinante, a sociedade tecnológica e complexa impõe a necessidade de procura de momentos de silêncio, de encontro pessoal e de comunhão com a Natureza e com os outros.
Este contexto de reinvenção de tempos e brincadeiras especiais obriga a reinvenção da família e da escola. É neste compromisso de resgatar o tempo e o espaço de crescimento saudável da criança que surgem as inovações pedagógicas mais anciãs de sempre: as cozinhas de lama.

Na Apia utilizámos uma parcela de terra esquecia, uma horta que deixou de dar frutos há muito tempo, um terreno infértil. Era preciso regressar à aventura de um espaço livre e desafiante. A pouco e pouco foram chegando os materiais de que são feitos os sonhos. A contribuição generosa dos pais equipou a cozinha de uma panóplia de tachos, frigideiras, cafeteiras, colheres e outros utensílios que serviram de ponte para o jogo simbólico. Os materiais naturais e os amigos de sempre já lá estavam à nossa espera. Sempre lá estiveram, nós é que não os tinhamos visto.
E, foi assim que, num início de de dia soalheiro, inaugurámos este espaço exterior prolongamento do espaço interior. Numa azáfama de mãos adultas trocaram-se roupas, colocaram-se capas e calçaram-se galochas. Num instante o páteo ficou pintalgado de pés coloridos com as galochas de todas as cores do arco-íris a desafiarem o castanho da terra e a transparência da água. Depois começaram os primeiros jogos inventados, as brincadeiras solitárias ou com pares em torno da terra, água, folhas, troncos e fragmentos de rochas.
Neste cantinho da natureza e imaginação há um encontro natural da criança consigo mesma e com os outros. Um momento de silêncio (uma raridade por estas bandas) de descontração e relaxamento onde cada criança se encontra profundamente comprometida com o jogo simbólico que permanentemente cria e recria.
Encontrámos mão que afagam a lama, colheres que mexem e rodopiam paus, rochas e folhas numa alquimia perfeita de momentos felizes. O aqui e agora vividos plenamente desafiando as amarras do tempo e dos espaços estruturados.
Nestes preciosos instantes, as crianças foram reis do espaço, legisladores das regras do jogo, realizadores deste filme e senhores do seu tempo. Eram somente mãos que afagavam a terra, olhos que viam as folhas esquecidas e os troncos perdidos, ouvidos que escutavam os sons da brincadeira criada, envolvidos no aroma quente da terra molhada.
A brincar em liberdade construíram ativamente a autonomia e a relação com os outros. Nesta situação onde não há resultados, não há erros nem prémios, não há tempo a perder para de mangas arregaçadas deixar fluir a experimentação e a criatividade. Experienciando a liberdade, todas as áreas do conhecimento como a matemática, geologia e química se interligam num todo coerente e consistente.
Brincar sem paredes nem tetos, num ambiente natural estabelecendo conexões positivas com a Natureza e criando uma plataforma ecológica que temos o dever de construir para a gerações vindouras, proporciona descobertas insuspeitáveis e faz repensar todo o processo de ensino-aprendizagem.

A cozinha de lama e o prazer de brincar, de enfiar as mãos na terra, de saltar em cima de uma poça de água constituem, uma moldura de interações sociais positivas em torno de um laboratório natural de conhecimento. Este terreno criativo fértil é palco de múltiplos cenários e cenas como o trilho dos dinossauros, a festa das bruxas, o jardim encantado das fadas e duendes Nada mau para um punhado de terra e um púcaro de água… A sentença bem ao jeito português de “acabou a brincadeira, vamos trabalhar” tem os dias contados!

Um pouco de terra, um pouco de água, um pouco mais de sonho…Aqui está uma receita simples de dias felizes!


- "Usámos lama , para fazer lama de cozinha...e usámos todos os tachos!"
- "Fui apanhar folhas e coisas assim...os ingredientes!"
- "Brincámos com folhinhas, panelas e puré!"
- "Gostei do cheiro da lama!"
- "A lama era quentinha e eu fiz uma sopa de bróculos!"
- "Eu estava a fazer uma sopa vegetariana!"
- "Eu brinquei com a lama e estava a fazer chocolate!"
- "Foi muito, muito divertido...divertido até ao céu!"
- "Temos que ficar cada vez mais tempo!"



Texto pela Diretora Pedagógica
Anabela Valente

Exclamações em discurso direto, durante a atividade, feitas pelas crianças e recolhidas pela Educadora
Cristina Moreira


*(Mia Couto, 2010)



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